Pode até parecer que uma coisa não tem a ver com a outra,
mas morar perto da Embraer tem me ajudado muito com as gambiarras. Como? Tenho
conhecido gente ligada à aviação (engenheiros, mecânicos e montadores), que têm
me ensinado coisas muito interessantes, principalmente na área de segurança.
Como vocês devem imaginar, na aviação,
segurança é prioridade.
Um das coisas que aprendi é o perigo do sobre torque. Sobre
torque é quando você aperta um parafuso ou porca além do necessário, e muitas
vezes, além do que ele suporta. E na construção de uma aeronave (outra coisa
que aprendi, falar aeronave e não avião) cada parafuso tem seu torque ideal de
aperto determinado pelos engenheiros, de acordo o uso e os materiais de que é
feito e em que será aplicado. Essa informação vai para o manual de manutenção
da aeronave e, acreditem, o (bom) mecânico não aperta um parafuso sem ler o
manual antes, literalmente! Pode parecer muito, mas são esses cuidados
aparentemente exagerados que fazem da aviação o meio de transporte mais seguro
existente.
Já com esse conceito no sangue, fiquei atento a não apertar
muito os parafusos que vi pela vida, até o dia em que meu pneu furou e eu tive
que retirar a roda do carro. Bem, eu peso mais de 90kg e precisei não só subir,
mas pular sobre a chave de rodas para que as porcas soltassem. Salta aos olhos
que isso está exagerado, e como meu carro é um Del Rey, assim como Corcel e
Pampa, tem a roda presa por apenas três parafusos, quer dizer, se um quebrar, vai
fazer muita falta.
Qual a solução mais óbvia? Claro, comprar um soquete 19 e um
torquímetro bem modesto. Modesto quer dizer barato? Claro, afinal estamos
trocando uma roda, e não construindo um foguete. Mas antes, vamos dar uma
olhada no manual do veículo... hum, “Substituição das Rodas”... página 47...
Epa! O manual não informa o torque ideal. Vacilo da Ford, viu?
Vamos ao Plano B: as rodas do Del Rey são presas com porcas que
atarraxam aos parafusos que ficam presos no tambor de freio (por isso são chamados
de prisioneiros).
O primeiro passo foi soltar as porcas apertadas
excessivamente e limpá-las com solvente para remover graxa e toda a sujeira que
ela retém. O que eu pretendia era apertar as porcas apenas com a força dos
braços, tendo assim certeza de que não haveria exagero. Mas aí bate exatamente
a mesma dúvida que você acabou de ter: será que está suficientemente apertado?
As porcas não vão se soltar enquanto eu dirijo? Há essa possibilidade sim,
por isso, voltando àquele papo de aviação, lancei mão de um artifício muito
usado em aeronaves, o freno. Freno nada mais é que um modo de evitar que porcas
ou parafusos afrouxem por causa da vibração, e o mais comum deles é o freno com
arame.
Como funciona? Simples demais, as cabeças dos parafusos têm
furos passantes, geralmente em todas as seis faces, e o freno é feito da cabeça de
um parafuso para a do outro, um arame torcido passa por dentro da cabeça,
contorna-a no seu sentido de aperto e depois faz a mesma coisa na outra, ainda
no sentido de aperto. Para que? Se um dos parafusos tentar desapertar, puxará o
arame, fazendo com que o outro parafuso aperte ainda mais. Como isso não é possível,
eles simplesmente não desapertarão. A explicação ficou complexa? Olhem a foto
aí embaixo, ela mostra que a coisa é bem simples.
Entenderem o conceito? Se um parafuso tentar girar no
sentido de desaperto, vai girar o outro no sentido de aperto, como um
cabo de guerra, cada um puxando o outro na direção oposta sem que ninguém saia
de onde está.
Bem, explicado o conceito, vamos à mão na massa. Porcas soltas
e limpas de poeira e graxa, foram todas passadas pela escova de aço para
remover qualquer tinta velha ou outras incrustações, depois cada uma foi
vistoriada com uma boa lente de aumento em busca de sinais de dano. Estavam todas
em bom estado, portanto aptas a voltar ao serviço. Aqui cabe uma explicação, esse serviço foi
feito como experiência, em uma única roda, no sábado, quando fiz as fotos, e
depois feito pra valer em todas as rodas no domingo, por isso as porcas que
você verá ainda estavam sujas.
Para que o arame tivesse onde passar, prendi cada porca à
morsa e fiz uma marca com a punção, para a broca não correr.
Depois a coloquei
na furadeira de bancada e fiz um furo passante com uma broca de aço rápido da
Irwin medindo 1/16 de polegada. Ao contrário do que eu supunha, o aço da porca
é bastante macio, não forçando em nada a progressão da broca, mesmo assim usei
fluido de corte porque o seguro morreu de velho.
Já no lugar, ficou assim:
Agora foi só fazer o freno propriamente dito, que no meu
caso foi entre três pontos:
Aqui detalhes de como o arame passa pelas porcas intermediária e final:
As marcas vermelhas? Aprendi também como o povo da viação,
chamam-se linhas de fé e servem para mostrar se houve deslocamento da porca
em relação à roda, caso uma delas fique desalinhada da outra.
E depois da calota colocada, ninguém diz que tem coisa
diferente ali.
A instalação do arame não tem muito segredo, mas precisa de
uma ferramenta especial chamada alicate de freno, que eu comprei a preço de
banana por ser sucata da (adivinha!) Embraer. Eu não fiz um vídeo, mas achei
este aqui na internet e com a licença do autor, vou colocar aqui pros leitores
verem como a coisa se desenrola... ou nesse caso, enrola.